11/12/2013

Peça do Mês de Dezembro

A peça do mês

O Museu Nacional de Arqueologia (MNA) possui um acervo de muitos milhares, na verdade centenas de milhares, de objectos. Provêm eles de intervenções arqueológicas programadas ou de achados fortuitos, tendo sido incorporados por iniciativa do próprio Museu ou por depósito ou por doação de investigadores e coleccionadores.

Todos os períodos cronológicos e culturais, e também todos os tipos de peças, desde a mais remota Pré-História até épocas recentes, neste caso com relevo para as peças etnográficas, estão representados no MNA. Às colecções portuguesas acrescentam-se as estrangeiras, igualmente de períodos e regiões muito diversificadas.

O MNA é ainda o museu português que possui no seu acervo a maior quantidade de peças classificadas como “tesouros nacionais”.

Existe, pois, sempre motivo de descoberta nas colecções do Museu Nacional de Arqueologia e é esse o sentido da evocação que fazemos, em cada mês que passa, e renovadamente no ano de 2013, em que o MNA celebra o seu 120º aniversário de fundação.


A Peça do Mês de Dezembro
A apresentar por Nuno Simões Rodrigues, em 14 de Dezembro de 2013 às 15h

A MULHER DE MILREU



A peça registada no inventário do MNA com o número 18208 (= 994.6.3) é conhecida como a «cabeça de Milreu» ou simplesmente «retrato de mulher». Trata-se de uma peça de escultura romana, uma cabeça feminina em mármore branco, datada do final do século I, inícios do século II d.C. A escultura foi encontrada por Estácio da Veiga nas termas de Milreu, perto de Faro, e depois de ter incorporado o acervo do museu da capital algarvia transitou para o Museu Nacional de Arqueologia.
            Logo nos primeiros trabalhos publicados sobre esta peça, foi destacada a beleza da mesma, bem como a sua especificidade, derivada sobretudo do penteado em «ninho de vespa», tal como lhe chama a bibliografia portuguesa», ou em «topete», como o classificam os estudos anglo-saxónicos, germânicos e franceses. Com efeito, a «mulher de Milreu» ostenta um penteado dividido em duas secções, em que, numa delas, o cabelo sobressai na parte frontal da cabeça, na forma de um diadema constituído por três fileiras de caracóis sobrepostos, enquanto a parte de trás se forma com uma «mecha de cabelo enroscado em carrapito sobre a nuca, descobrindo as orelhas» Os anéis obtinham-se com recurso a uma vara de encaracolar e mantidos com uma aplicação de cera de abelha. O topete era mantido no seu lugar com o auxílio de uma fita de couro na parte de trás.
            Segundo o estudo de J. L. de Matos, a parte que resta deveria fazer parte de um busto, representando uma personagem anónima. Na ficha que se inclui no catálogo da exposição «Religiões da Lusitânia», Cardim Ribeiro nota ainda que esta peça é a evidência da forma como as elites municipais da Lusitânia meridional se relacionavam, nos séculos I e II d.C., com as elites imperiais, adoptando tendências e seguindo modas, buscando dessa forma o prestígio, pelo facto de as mesmas transmitirem a ideia de proximidade ao poder.
            Na verdade, a representação que hoje podemos ver no MNA corresponde a um figurino razoavelmente presente em vários museus europeus. Os penteados com topete, particularmente notórios e conhecidos no quadro cultural romano, têm sido associados sobretudo ao período flaviano, mas teriam sido usados até pelos menos aos anos 20 do século II d.C. (épocas trajânica e adriânica).
            Cardim Ribeiro caracteriza o retrato como a figuração de uma jovem mulher que exibe um penteado típico da época tardo-flávia, «influência de Júlia, filha de Tito e esposa de Domiciano». Com efeito, alguns autores afirmam que a moda destes penteados teria sido iniciada por membros da casa imperial, designadamente Júlia Titi (65-91 d.C.) e Domícia Longina (?-140 d.C.), respectivamente a filha de Tito (39-81 d.C.) e a mulher de Domiciano (51-96 d.C.). Daí que, partindo dos princípios do «retrato verista» romano, a esmagadora maioria das figuras assim representadas fosse identificada com as duas princesas imperiais. Outros estudos, alguns mais recentes, porém, têm concluído que algumas das representações até aqui identificadas como as mulheres da família imperial serão, na verdade, retratos privados e anónimos.

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