10/07/2015

Peça do mês de julho

O Museu Nacional de Arqueologia (MNA) possui um acervo de muitos milhares, na verdade centenas de milhares, de objectos. Provêm eles de intervenções arqueológicas programadas ou de achados fortuitos, mas também de aquisições, tendo sido incorporados por iniciativa do próprio Museu ou por depósito ou por doação de investigadores e colecionadores.

Todos os períodos cronológicos e culturais, e também todos os tipos de peças, desde a mais remota Pré-História até épocas recentes, neste caso com relevo para as peças etnográficas, estão representados no MNA. Às colecções portuguesas acrescentam-se as estrangeiras, igualmente de períodos e regiões muito diversificadas.

O MNA é ainda o museu português que possui no seu acervo a maior quantidade de peças classificadas como “tesouros nacionais”.

Existe, pois, sempre motivo de descoberta nas coleções do Museu Nacional de Arqueologia e é esse o sentido da evocação que fazemos, em cada mês que passa.


POLICROMIA DA MORTE
A arqueologia do naufrágio na obra do pintor Jean-Baptiste Pillement
Por Jean Yves Blot, com Maria Luísa Blot






Em 1987, um comprador anónimo adquiriu dois quadros do pintor francês Jean-Pillement (1728-1808) num leilão organizado no Mónaco pela galeria Sotheby. Os dois quadros pertencem hoje ao espólio do MNA e correspondem a uma experiência pessoal vivida pelo pintor na costa norte de Peniche, no decurso da sua última estadia em Portugal, em 1786.


 Morrer é uma queda surda, um abismo individual cavado no rio da vida.

               Milhares de navios morrem todos os anos nos mares do mundo.

               Mas para o navio, morrer é um ato coletivo.


A meio caminho entre a peça jornalística e a obra de arte, os dois quadros de Jean Pillement conservados no MNA fornecem uma visão privilegiada de momentos fugazes por essência.

Num caso trata-se da morte de um navio de guerra, noutro do resgate da carga do mesmo, proveniente de América do Sul, como tudo o resto.

O conjunto presta-se a um exercício privilegiado de arqueologia da morte: a do navio e a dos seres humanos que vinham a bordo.

O tema, apresentado no MNA, resulta da investigação do autor no que diz respeito ao navio e da investigação da arqueóloga Maria Luisa Pinheiro Blot no que diz respeito a thanatoarqueologia, disciplina na qual adquiriu formação há três décadas junto do professor Dr. Henri Duday, da universidade de Bordéus, em previsão das campanhas arqueológicas que tiveram lugar na costa de Peniche entre 1986 e1994.



Thanatoarqueologia em Peniche: apresentação por Maria Luisa Pinheiro Blot (Peniche de Cima,1988) do método de escavação em suspensão no estaleiro San Pedro de Alcantara. A grelha colocada em cima dos vestígios osteológicos permite a arqueóloga o registo a escala 1/5 do conjunto dos indivíduos associados ao acidente de Fevereiro de 1786.




"Indivíduo X6: Fracturas múltiplas do crânio/presença de uma hemi-face esquerda desconectada do resto dos fragmentos do crânio. Fractura da mandíbula em duas partes. Ausência da parte posterior do crânio, perdida antes da inumação do cadáver. Fracturas múltiplas das costelas. Ausência parcial ou total das extremidades dos membros superiores (mãos). Fractura, com sobreposição, da parte distal do úmero esquerdo (...)"

(Maria Luísa Pinheiro Blot, Relatório da campanha arqueológica SPA-Terra-1988). (desenho: M.L. Pinheiro Blot, 1988) (repr. de Blot et al., 2008: Concerto para Mar e Orquestra.
Peniche, Câmara Municipal de Peniche).

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