15/05/2014

Peça do mês de Maio

O Museu Nacional de Arqueologia (MNA) possui um acervo de muitos milhares, na verdade centenas de milhares, de objectos. Provêm eles de intervenções arqueológicas programadas ou de achados fortuitos, tendo sido incorporados por iniciativa do próprio Museu ou por depósito ou por doação de investigadores e coleccionadores. 

Todos os períodos cronológicos e culturais, e também todos os tipos de peças, desde a mais remota Pré-História até épocas recentes, neste caso com relevo para as peças etnográficas, estão representados no MNA. Às colecções portuguesas acrescentam-se as estrangeiras, igualmente de períodos e regiões muito diversificadas.

O MNA é ainda o museu português que possui no seu acervo a maior quantidade de peças classificadas como “tesouros nacionais”. 

Existe, pois, sempre motivo de descoberta nas colecções do Museu Nacional de Arqueologia e é esse o sentido da evocação que fazemos, em cada mês que passa.


A PEÇA DO MÊS COMENTADA

Pátera da Lameira Larga nº inv. AU 690

A apresentar por Carlos Fabião 1, em 17 de Maio de 20174, às 15h



Pátera de prata, com aplicações a ouro, de decoração figurativa repuxada, procedente da sepultura romana da Lameira Larga (Penamacor). 

A pátera pertence a um conjunto sepulcral datado dos fins do séc. I ou inícios do II d.C. encontrado ocasionalmente em 1907, no lugar de Lameira Larga, Aldeia do Bispo, Penamacor. 

A imagem apresenta o grande feito do herói grego Perseu: “o mais valente dos homens” (Ilíada, Canto XIV, 320). O herói decapitou, com a sua espada de bronze (harpé), a terrível Medusa, a única das três Gorgonas que era mortal. Nos pés apresenta as sandálias aladas, que lhe permitiram voar sobre o Oceano ao encontro da caverna das Gorgonas. Acompanha-o (e guia-o) Hermes, que ergue o manto que o tornava invisível e lhe permitiria fugir da fúria das imortais irmãs de Medusa. Para evitar o terrível olhar petrificante de Medusa, Perseu socorre-se de um estratagema. Com o auxílio de Atena, que ergue o seu escudo polido, servindo de espelho, Perseu pôde decapitar Medusa sem a encarar. 

A pátera apresenta alguns dos elementos da narrativa de Perseu, mostrando o momento em que Medusa já está decapitada, mas a sua cabeça não está ainda nas mãos do herói, que estende o braço na sua direcção: ou seja, o acto está em curso, não está ainda concluído. Trata-se, por isso, de uma raríssima representação desta narrativa (à época, era mais popular a imagem de Perseu triunfante, apresentado só, de espada na mão, em pose hierática erguendo a cabeça de Medusa). Neste caso, a representação do acto em curso, com muitos dos seus actores, confere a esta pátera um magnífico poder narrativo. 

Em época romana, estas narrativas dos feitos dos heróis gregos serviam de “histórias de proveito e exemplo” na educação dos jovens. Será provavelmente esta a razão que levou um habitante da Lusitânia a adquirir e conservar esta pátera de decoração figurativa, que acabou no interior da sua sepultura. 

Esta magnífica obra, realizada há quase dois mil anos, condensando uma narrativa heróica que lhe é pelo menos mil anos anterior, constitui eloquente exemplo de uma das matrizes culturais do Ocidente, e um inestimável tesouro da Arqueologia portuguesa.

1 Centro de Arqueologia (Uniarq) da Universidade de Lisboa. 1600-214 LISBOA.

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