25/02/2016

Peça do mês de fevereiro

O Museu Nacional de Arqueologia (MNA) possui um acervo de muitos milhares, na verdade centenas de milhares, de objetos. Provêm eles de intervenções arqueológicas programadas ou de achados fortuitos, mas também de aquisições, tendo sido incorporados por iniciativa do próprio Museu ou por depósito ou por doação de investigadores e colecionadores.

Todos os períodos cronológicos e culturais, e também todos os tipos de peças, desde a mais remota Pré-História até épocas recentes, neste caso com relevo para as peças etnográficas, estão representados no MNA. Às coleções portuguesas acrescentam-se as estrangeiras, igualmente de períodos e regiões muito diversificadas.

O MNA é ainda o museu português que possui no seu acervo a maior quantidade de bens culturais classificados como “tesouros nacionais”.

Existe, pois, sempre motivo de descoberta nas coleções do Museu Nacional de Arqueologia e é esse o sentido da evocação que fazemos, em cada mês que passa.




PEÇA DO MÊS COMENTADA
27 de fevereiro de  2016, às 15h:30
A apresentar por Amílcar Guerra

O relógio da CIVITAS IGAEDITANORVM


Esta inscrição feita num pequeno bloco de uma pedra não particularmente nobre constitui um dos mais interessantes monumentos para a História da Lusitânia. Nele se declara que um tal Quintus Tallius, identificado como cidadão de Augusta Emerita, ofereceu um relógio aos Igeditanos, os membros da comunidade cívica que tinha a sua sede no local onde se encontrou a inscrição, Idanha-a-Velha.

Esta oferta, que pode parecer estranha, tem na realidade um forte sentido político, uma vez que representa bem os novos tempos: a orientação que o imperador Augusto imprime a administração da Hispânia, reorganizando as províncias ao separar a antiga Ulterior em Bética e Lusitânia. Sublinham alguns autores que este monumento, do ano 16 a.C., assinalaria precisamente o momento em que se teria finalizado esse processo, o que seria um elemento de extraordinária importância.

Mas o relógio representaria também as profundas alterações na vida pública da cidade recém-fundada e à qual se conferia uma estrutura política, um corpo de magistrados, uma assembleia e outras instituições que fixavam dias e horas precisas para os seus actos oficiais. O orarium marcava, portanto, o ritmo da vida política e administrativa da nova cidade.

A epígrafe assinala também que o local destinado à instalação dessa generosa oferta foi indicado pelos magistrados locais, cujos nomes se enunciam. Trata-se de colégio de quatro indivíduos que patenteiam uma onomástica muito característica desta região, em forte contraste com o que eram os nomes romanos como o do próprio Quintus Tallius. Embora todos apresentem dois elementos, o nome romano é composto, como se dizia então, por um prenome e pelo gentilício (o nome da gens, da família), o das personalidades locais era constituído por um único nome pessoal, seguido do patronímico.

Enfim, duas tradições e duas culturas em confronto, mas num contexto em que a superioridade romana implicou também a generalização da língua latina, na qual se redigiu a inscrição. Este texto reflecte, deste modo, a interacção entre comunidades locais e os representantes da romanidade cujos hábitos pautam os novos tempos, dando origem a uma síntese que a expressão "mundo lusitano-romano" de alguma forma exprime.

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