O Museu Nacional de Arqueologia (MNA) possui um acervo
de muitos milhares, na verdade centenas de milhares, de objectos. Provêm eles
de intervenções arqueológicas programadas ou de achados fortuitos, tendo sido
incorporados por iniciativa do próprio Museu ou por depósito ou por doação de
investigadores e coleccionadores.
Todos os períodos cronológicos e culturais, e também
todos os tipos de peças, desde a mais remota Pré-História até épocas recentes,
neste caso com relevo para as peças etnográficas, estão representados no MNA.
Às colecções portuguesas acrescentam-se as estrangeiras, igualmente de períodos
e regiões muito diversificadas.
O MNA é ainda o museu português que possui no seu
acervo a maior quantidade de peças classificadas como “tesouros nacionais”.
Existe, pois, sempre motivo de descoberta nas
colecções do Museu Nacional de Arqueologia e é esse o sentido da evocação que
fazemos, em cada mês que passa.
PEÇA DO MÊS COMENTADA
Tigela islâmica do Castelo Velho de Alcoutim
(nº invº 999.2.1)
A apresentar por Helena Catarino
14 de Março de 2015, às 15h
A
cerâmica policroma islâmica divulga-se no período abássida e, da região
Iraque-iraniana (olarias de Samarrã e Susa), é transmitida ao Norte de África (fundação
de Raqqada e da mesquita de Cairuã, na Tunísia) onde se instalam, nos finais do
séc. IX, ceramistas orientais. Será a partir deste epicentro que as cerâmicas decoradas
a verde e manganés entram na Península Ibérica, começando a fabricar-se no
califado de Córdova (séc. X/XI) e impondo-se como símbolo das produções omíadas
de al-Andalus. Associadas ao luxo palatino de Córdova e Medina Azahara, rapidamente
se fabricam em outras olarias (Elvira/Granada, Pechina/Almeria, Múrcia, Priego
de Córdova, Toledo…), alcançando grande difusão no período dos reinos de taifa
(séc. XI).
É, pois, com a política centralizadora e
ideologia estatal omíada que esta peculiar decoração se vulgariza desde o
califado. Do ponto de vista técnico faz-se em três etapas: a peça é mergulhada
num engobe esbranquiçado; os motivos decorativos são delineados a óxido de
manganés (negro) e preenchidos com óxido de cobre (verde); o vidrado (esmalte de
chumbo e estanho) resulta numa superfície de tonalidades brancas ou amareladas /
meladas. A cromática configura simbologia político-religiosa: o branco, símbolo
de claridade, lealdade e poder é a cor da dinastia omíada; o verde, símbolo do
Islão é a cor do profeta Maomé; o negro, apesar de mero recurso técnico, pode
relacionar-se com a austeridade e a dignidade do poder. Do mesmo modo, os
motivos decorativos representam formulações ideológicas / simbólicas, sejam
relacionadas com a legitimidade do poder (al-mulk)
ou a religião (a árvore da vida, o paraíso, o cordão da eternidade…).
Reflexo da ampla difusão das cerâmicas decoradas a verde a manganés califais/taifas (séc. X/XI) é a peça aqui exposta, proveniente das escavações do Castelo Velho de Alcoutim (concelho de Alcoutim, distrito de Faro), fortificação omíada elevada sobre o vale do Guadiana. Trata-se de uma pequena tigela (diâmetro do bordo 132mm e de fundo 49mm; espessura das paredes 4mm, do fundo 9mm), de pasta rosada, corpo semiesférico, base de pé anelar, com ressalto em moldura e de bordo adelgaçante. A superfície externa é de tom melado claro e a interna, de vidro transparente sobre o engobe (quase ausente), mostra restos de decoração em arcos de círculo junto do bordo e o motivo central exibe o bolbo da flor de lótus, cuja simbologia, comum a várias civilizações desde o antigo Egipto, representa o nascimento e o renascimento, a criação e a fertilidade.
Museu Nacional de Arqueologia. Entrada Livre